sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

63% dos municípios do Brasil fecharão o ano de 2017 no vermelho

prefeitos
BRASÍLIA: prefeitos fizeram passeata na Esplanada dos Ministérios em novembro por maiores repasses de verbas (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Nada menos que  63% das prefeituras não conseguirão fechar as contas de 2017 no azul. Os números são de um estudo da Confederação Nacional de Municípios divulgado na semana passada, que ouviu 4.434 prefeituras (cerca de 80% dos municípios brasileiros). Destas, 26% estão com gastos com pessoal estourado e outras 41% correm o risco de ultrapassar o teto em breve; 47% vão terminar 2017 com atraso no pagamento de fornecedores, 45% têm obras de creches ou postos de saúde paralisadas e 15% planejava atrasar os salários de dezembro dos funcionários públicos no momento da pesquisa.

Para os 5.570 municípios brasileiros, o principal problema é manejar um orçamento que depende em grande medida dos repasses da União e dos estados. Menos de 20% das prefeituras têm arrecadação suficiente para pagar mais de um quinto de suas despesas, segundo um levantamento da Federação da Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).

Em tempos de crise, o dinheiro que vem de fora não é dos maiores: o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) — principal recurso de transferência do governo federal para as cidades — foi 3,8% menor em 2017, com 94,5 bilhões de reais distribuídos (em valores reajustados pela inflação, a queda foi maior, de 7,3%).

Como o FPM é formado por uma parcela do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a queda está diretamente ligada à arrecadação, que neste ano cresceu somente 0,13% na comparação com 2016, no período entre janeiro e novembro.

Além disso, no ano passado, o fundo contou com 11 bilhões “extras” da Lei de Repatriação de Recursos, que engordou o Imposto de Renda com dinheiro do exterior trazido de volta ao Brasil. O montante entrou no caixa dos municípios aos 45 do segundo tempo, já em dezembro, e impediu muitos de fecharem no vermelho.

Além do fundo menor, as transferências discricionárias da União (aquelas não necessariamente obrigatórias) para investimentos nos municípios também caíram 26% em 2017, ainda segundo cálculos da Confederação Nacional dos Municípios. “Em 2017 a crise nos atingiu de novo, e muito profundamente. Essa conjuntura inviabilizou a gestão em muitos municípios”, diz Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios.

Uma discussão estrutural

Assim, se Brasília espirra, as cidades pegam um resfriado. Mas a discussão sobre o caixa das prefeituras vai além da crise. As raízes do debate estão no modelo tributário brasileiro, em que a maior parte dos tributos é arrecadada a nível federal e estadual. De tudo que é arrecadado, a União fica com cerca de 67%, os Estados com 26% e os municípios somente com 7%.

Após as transferências, a parcela dos municípios sobe para 19%, já que os fundos, como o próprio Fundo de Participação dos Municípios, foram fixados na Constituição de 1988 justamente na tentativa de equalizar a questão. Além do que vem da União, as prefeituras também contam com repasses dos governos dos estados, por meio de parte do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) e do IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores).

Ainda assim, as prefeituras argumentam que os recursos não são suficientes para oferecer à população serviços complexos como educação e saúde. “É um problema estrutural: os municípios têm uma arrecadação baixa para a grande responsabilidade que assumiram”, diz Ziulkoski, da Confederação Nacional dos Municípios.

Em 2018, o caixa deve ser sobrecarregado pelo aumento do piso dos professores, ainda não anunciado pelo Ministério da Educação e que deve ser superior a 6%, além do aumento no salário mínimo. O piso dos professores, hoje de 2.298,83 e que responde por grande parte da folha de pagamento das prefeituras, subiu 142% entre 2009 e 2017. Já o Fundeb, fundo que distribui recursos aos municípios para financiar a educação básica, cresceu 95% no período, o que os municipalistas afirmam ser incompatível.

“As coisas acontecem nos municípios e, no entanto, as decisões são tomadas em Brasília. Os prefeitos pensam ‘por que tenho de ficar pedindo esmola?’”, diz o professor Amaury José Rezende, do núcleo de estudos em controladoria e contabilidade tributária da FEA/USP de Ribeirão Preto. Contudo, Rezende aponta que a centralização foi uma escolha feita para driblar problemas como a falta de eficiência das gestões municipais em arrecadar tributos próprios.

Um exemplo ocorre com o IPTU, imposto sob imóveis e terrenos que é de responsabilidade exclusiva das prefeituras: cerca de 2.000 delas (quase metade dos municípios brasileiros) nem sequer regulamentou a arrecadação. É um dinheiro valioso que deixa de entrar no caixa, e os motivos são muitos: de prefeitos evitando se indispor com o eleitorado e a elite local a uma máquina ineficiente de arrecadação. “Tem todo um aspecto sociológico também. No fim, o modelo considera mais eficiente que os tributos sejam arrecadados de forma centralizada. Por outro lado, perdemos com a burocracia e com a pouca autonomia municipal”, completa Rezende.

Onde está o dinheiro?

A baixa arrecadação própria e os altos gastos com salários são os maiores problemas das prefeituras, de acordo com o Índice Firjan de Gestão Fiscal, que avaliou 4.544 municípios. O ranking leva em conta quatro critérios: receita própria, gastos com pessoal, liquidez, investimento e custo da divida. Ainda não há dados consolidados sobre 2017, mas no ano passado, apenas 0,3% das prefeituras foram classificadas como excelentes.

Nas prefeituras que não arrecadaram nem 20% de suas receitas em 2016, segundo a Firjan, a média populacional é de 9.000 habitantes. Dentre os poucos tributos cujo recolhimento fica à cargo dos municípios, os principais são, além do IPTU, o ISS (que recai sob prestação de serviços) e o ITBI (sob a venda de imóveis). O ISS costuma ser maior nas cidades desenvolvidas; no interior, o IPTU pode ser maior.

Cidades com atividade econômica mais desenvolvida também recebem mais repasses estaduais, já que o ICMS volta proporcionalmente para os lugares que consumiram mais. Ziulkoski afirma que esse modelo é uma “injustiça tributária”. “Cidades com mais atividade agropecuária, por exemplo, produzem leite, café, cana. Tudo é produzido ali. Só que o repasse é centralizado numa outra cidade grande, onde tem a fábrica que agrega valor”, diz. 

O Fundo de Participação dos Municípios costuma ser muito mais importante para cidades menores: enquanto para São Paulo, com 11 milhões de habitantes, o fundo responde por apenas 1,76% da receita da prefeitura, a cota de Borá, com seus 805 habitantes, representa 62,4% de todo o faturamento da cidade. O fundo é distribuído proporcionalmente de acordo com a população (exceto nas capitais, que recebem menos por já terem outras fontes de arrecadação).

Contudo, não necessariamente as maiores cidades têm as melhores finanças. Das 27 capitais brasileiras, 11 têm baixa capacidade de pagamento, segundo um levantamento da economista Vilma Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, com base em dados de 2016 divulgados pelo Tesouro Nacional neste mês. “Mais receita não necessariamente gera melhores políticas públicas. Um município menor e com menos recursos pode conseguir melhores serviços”, diz Vilma.

Mesmo grandes cidades como Curitiba, Florianópolis e Rio de Janeiro estão entre as pior avaliadas entre as capitais. A queda na arrecadação, claro, piora o cenário: o ISS de São Paulo (que tem nota B na avaliação do Tesouro), por exemplo, caiu 10% entre 2015 e 2016.  

O comprometimento do orçamento com pessoal também é um grande problema, seja nas capitais ou nas pequenas cidades. Somente um terço das prefeituras teve nota A ou B no índice da Firjan em 2016, e 55,1% dos municípios gastava mais da metade das receitas em salários. Como essas despesas são obrigatórias, há menos espaço para outras despesas, como investimentos em saúde, educação e infraestrutura.

Ainda que demitir no setor público não seja possível diretamente, mais de 2.500 municípios (cerca de 60% dos ouvidos) afirmaram que, para lidar com a crise em 2017, reduziram o quadro de funcionários e cargos comissionados, segundo o levantamento da CNM. Para o professor José Matias Pereira, especialista em gestão pública da UnB, falta planejamento de médio e longo prazo. “Nos anos mais favoráveis, as prefeituras aumentaram as contratações em vez de investir em infraestrutura, por exemplo”, diz. “Quando vem a crise, o problema da folha se acentua.”

Arrecadar é preciso

No fim, a grande saída está em buscar diversificar a economia local e em usar os repasses federais para desenvolver as cidades do interior. Mercês, da Firjan, aponta que os municípios mais bem sucedidos apostam no tripé: investimento em educação, investimento em infraestrutura e política tributária planejada para a economia da região, atraindo empresas e indústrias e desenvolvendo a atividade econômica local.

“A maioria dessas questões está nas mãos dos municípios. Então, eles podem e devem desenvolver políticas nessas áreas”, diz. Os últimos anos não vêm sendo favoráveis para seguir esses conselhos, e em 2016, os investimentos nas prefeituras atingiram o menor nível em mais de dez anos.

Embora a arrecadação nos municípios menores ou mais afastados seja difícil, muitas prefeituras ainda têm muitos recursos a explorar – como cobrar IPTU nas 2.000 cidades que ainda não o fazem. “O nosso pacto federativo é bom. A questão está em melhorar a eficiência”, diz o jurista Victor Amaral, especialista em direito tributário do Vinhas e Redenschi Advogados. “Claro que a crise afeta, mas em um município em que 80% da arrecadação vêm da União, não há políticas para fazer com que o empreendedor local abra um negócio para arrecadar ISS”, argumenta.

Para 2018, a previsão dos economistas é de melhora no PIB e na arrecadação, o que deve impactar positivamente as prefeituras, mas os problemas estruturais continuarão atormentando as cidades brasileiras. 

EXAME

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